HISTÓRIAS DAS MINIPORTAS

Conto #26 Pequenas Cores
Henrique Menezes

Colégio Integral de Curitiba - Paraná (2023)

*Este conto foi criado em um projeto realizado no Colégio Integral sob a coordenação da profa. Vanessa, inspirado nas MiniPortas de Maringá, e gentilmente cedido para publicação neste site.

Em uma pequena cidade, literalmente pequena, realmente minúscula, que simplesmente media 200 metros quadrados, viviam pequeninas criaturas chamadas “tocos”. Suas vidas eram as mais monótonas e mais enquadradas já vistas.

  Todos eram iguais, idênticos. Só havia uma coisa que diferenciava alguns de outros, simplesmente uma coisinha. A sua cor. O sexo masculino era sempre azul, e o feminino rosa.

  Os “tocos” azuis eram mais fortes, mais rápidos, mais capazes e gostavam de carros. Já os “tocos” rosas eram fracos, delicados, fofos e amavam bonecas. Essa era a única coisa que diferenciava os “tocos” entre si. Porque todos as rosas eram iguais a todos os rosas e todos os azuis eram iguais a todos os azuis. Parecia que viviam em uma fábrica, que sempre produz o mesmo produto. Mas como em todas as fábricas, alguns produtos veem com defeito.

  Viviam em pequenas casas que cabiam direitinho seus corpinhos pequenos, todas as casas iguais. Sempre dentro de cada casa havia um toco azul e uma rosa, que formavam um casal. As casas tinham portas lindas, mas idênticas. Mas uma casinha em especifico sempre estava com sua porta e suas janelas fechadas. Poucos eram aqueles que sabiam o que realmente acontecia naquela casa. Mas aqueles que sabiam, preferiam não tocar no assunto.

  O único conhecimento que tinham sobre aquela residência era de que pertencia a um casal de tocos que tiveram um filhinho, na verdade não, poderia ser uma filhinha. Ninguém nunca soube. O (a) filho (a) nunca saiu de casa. Mas o que muitos dos toquinhos não sabiam era de que naquela casa haveria um erro, um erro de fabricação.

  Já fazia seis anos, “É roxo”, dizia a enfermeira quando pegou pela primeira vez o filho (a) do casal desconhecido. “O QUE??”. Foi um grande espanto para toda a família, nunca algo desse patamar tinha acontecido em toda a cidade. Um toco roxo? Isso era impossível, até aquele momento. “Porque bem a gente”?, a família pensava, ser ou ter um filho ou algum parente diferente era um escândalo, a palavra “diferente” já era um absurdo. Foi então que surgiu a solução de esconder a criança do mundo. Mas por que? Porque tinham vergonha. E foi assim que a casa do casal ficou isolada do exterior.

  Procuraram uma cura, mas os médicos se recusaram de pesquisar e identificar certa doença que a criança poderia ter. O pobre toco viveu enfurnado na casa de seus pais desde do dia que tinha vindo para o mundo. Só porque tinha uma cor diferente. Até que um dia, por um milagre do Deus Toco, a criança estava vendo TV. No noticiário apareceu um caso “espetacular”, como o próprio jornalista descreveu. Teria aparecido um toquinho de uma cor distinta nunca vista antes. Roxo, roxo violeta, tão roxo quanto uvas, roxo igual a pobre criança que estava vendo o noticiário. Depois disso, ela não teve dúvidas, fugiu de casa para encontrar esse toco. Colocou uma pequena capa com um capuz, e foi direto no lugar que teria aparecido no noticiário. Era um lugar pequeno, um beco, fedido e isolado da cidade, perto das áreas rurais e dos lixões. E foi nesse simples lugar que ele encontrou. Encontrou alguém igual a ele. A sensação era de estar se olhando no espelho. A luz do poste, nas calçadas do beco reforçavam o tom roxo da pele dos dois tocos um na frente do outro. E depois, finalmente, de terem ficado se encarando por cerca de 3 minutos, o toquinho roxo que havia aparecido no noticiário continuou caminhando e puxou junto seu agora novo amigo.

   Puxou-o até uma porta, meio caída, que dentro, não tinha só mais um toquinho roxo, como tinha diversas cores. Um lugar cheio de tocos diferentes! Era a coisa mais bela já vista pelos olhos virgens da criança que viveu sua vida isolada do mundo, era como um arco-íris. Tinha amarelo, laranja, vermelho, verde, branco, preto, marrom e muitas outras cores que o toquinho nem sabia que existia. Elas formaram uma comunidade secreta para conseguirem viver em um mundo preconceituoso e estereotipado. Assim, agora que completavam um grupo de 60 tocos com cores diferentes, estavam prontos para encarar o mundo como um grupo, unidos e fortes. Os pais depois de alguns anos passaram a não ter mais vergonha dos filhos que nasciam diferente. Ah e é claro, a palavra “diferente”, depois de tudo isso, virou elogio.

  Agora a mini porta que sempre esteve fechada ficou para sempre aberta.