HISTÓRIAS DAS MINIPORTAS

Conto #19 Orc da Floresta
Clara Nodari

Colégio Integral de Curitiba - Paraná (2023)

*Este conto foi criado em um projeto realizado no Colégio Integral sob a coordenação da profa. Vanessa, inspirado nas MiniPortas de Maringá, e gentilmente cedido para publicação neste site.

Era um dia típico de início de outono. Não muito frio, mas o bastante para vestir um casaco. As folhas verdes se misturavam com as já um pouco amareladas, e a luz do sol fazia sobras quentes sobre as pedras repletas de musgo que cobriam o caminho. Só precisaria andar mais um tantinho, lembrava suas pernas cansadas, que ansiavam pelo conforto de uma cadeira de madeira polida. Se aproximando do fim da organizada trilha de pedras, se encontrava uma pequena porta. Ora, “pequena” pode ser pouco para descrever o tamanho da portinha, toda trabalhada na madeira rústica e plantas tão pequenas quanto a si própria.  O viajante checou o endereço no sujo pedaço de papel amassado em que este fora escrito, pelo dono da taverna da cidade em que esteve 5 horas de caminhada atrás. Apesar do número 1 estar um pouco borrado, estava certo: Rua Aiduruno da Costa, 165, próximo ao que os humanos chamavam de “Teatro”. Mas algo estava estranho, deveriam estar pregando-lhe uma peça.   Como ele, um Orc de 2 metros e 20 centímetros de altura, passaria a noite em uma casinha tão minúscula? Resolveu, então, olhar seus arredores em busca de alguém disposto a dar-lhe informação. Primeiro, avistou um Elfo. Perguntou-lhe se sabia quem era o corretor do imóvel, apontando sua grande mão robusta e áspera em direção à portinha. “Não, não sei do que está falando.” E o Elfo rapidamente foi-se embora. Por segundo, avistou um Ser da Floresta, que descansava apoiado em uma das árvores ao redor. Repetiu a pergunta, agora com algumas modificações.

  “Você sabe quem é o corretor daquele imóvel?” - disse o Orc - “A pequena portinha ali, no fim do caminho de pedras. Sabe quem é o locatário?"

  “Desculpe senhor, mas não acredito que aquela porta esteja para alugar.” - falou o Ser, levemente levantando seus olhos do monte de folhas o qual encarava segundos antes.

  “Por que diz isso?” - O Orc perguntou, intrigado e apreensivo.

  “Porque ninguém sabe o que está por trás dela. Ela magicamente apareceu, da noite pro dia, sem nenhuma marca que indicasse o paradeiro de seu construtor ou de seu desígnio.” - Responde o Ser.

  “E ninguém nunca tentou abri-la?” - Questiona o Orc.

  “Claro que já tentaram. Isso e muitas coisas. Está trancada, e ninguém se arrisca a tentar arrombá-la." - Afirma o Ser, um pouco desinteressado.

  “E o que eles temem?” - O Orc torna a perguntar.

  “Desde que a porta se manifestou no meio da floresta, diversas lendas e especulações foram formadas. Alguns dizem que é o esconderijo secreto de uma seita. Outros dizem ser o abrigo de um novo jovem mago, que estuda magias ilegais e por isso não pode ser visto. Outros têm certeza de que é tudo uma grande peça, um ‘experimento social’, e que não há nada atrás. Tem até os que afirmam ser um portal para outro reino existencial”.  Explica o Ser.

“E você, no que acredita”? Indaga o Orc, curiosamente.

“Desde que não me afete ou à floresta, não é da minha conta”. - Responde o Ser, com certa frieza compreensível.

“Oh!!”  Fala o Orc, imaginando que o assunto chegou ao seu fim. Ele então se aproxima da porta mais uma vez. Se abaixa até seu nível, e presta atenção em seus detalhes. Como as suas tábuas eram rústicas, mas pareciam estar propositalmente desalinhadas. Como a maçaneta de cobre enferrujado ainda possuía um certo brilho à luz do entardecer. Como os números “165” foram manualmente retalhados do pedaço de madeira clara, e depois pintados com tinta preta esverdeada, lixados e envernizados, e como esse verniz seco se parecia gosmento nas dobras naturais da madeira, onde havia-se acumulado.  Como pequenos ramos subiam entre os buracos e as extremidades da madeira.  E, nesse momento, ele se depara com impulso de bater na porta. Mas, segundos depois, logo se lembra de todas as lendas contadas pelo Ser da Floresta. O Orc afasta sua mão da porta. Não estava ali para causar confusão, muito menos para se meter no meio de conspirações. Ele percebe que suas pernas não estavam mais tão cansadas, e decide por se dirigir ao conglomerado mais próximo, localizado no fim da floresta, onde procuraria por um lugar para passar a noite. Pelo canto de seus olhos, vê o ser da floresta, novamente encarando o monte de folhas à sua frente. Ele vai embora.

  Anoitece. O Ser da Floresta olha seus arredores ligeiramente, e alcança um molho de chaves. Anfêmero, olha as chaves uma por uma, até encontrar a que procura de maneira quase doméstica. Abre a porta como faz todos os dias ao anoitecer, e a tranca por dentro.